Entrevista Thiago Lobão - CEO da Catarina Capital

Pelo Estado: Como é possível definir o cenário atual das startups no Brasil e quais são as previsões para o futuro?

O cenário para startups no Brasil atualmente é extremamente favorável e as perspectivas são só de colheita dos frutos de tudo o que foi plantado nos últimos 20 anos em relação ao desenvolvimento de ecossistemas de inovação que permitissem novos negócios de empresas de tecnologia e o crescimento desse ambiente empreendedor em diversos polos no Brasil. Destaco principalmente os polos de Santa Catarina e São Paulo, mas São Paulo, por ser a principal locomotiva econômica e, Santa Catarina, a “Califórnia Brasileira”, um polo em que naturalmente diversas pessoas e geografias vieram para cá e se acomodaram aqui por uma questão de qualidade de vida, de formação técnica, de ambiente de negócios que tem se desenhado para inovação.

Então a gente tem um cenário muito favorável, muitos fundos de investimento começando a olhar tecnologia, cada vez maior o número de investidores, fundos, venture capitals, investidores-anjo que estão olhando o tema. Então há capacidade de capital, motivação empreendedora muito grande das novas gerações, muita formação técnica nova em TI, o que é fundamental quando falamos de negócios digitais, e rodadas consecutivas, ou seja, investidores olhando rodadas desde o começo dos negócios até negócios mais parrudos, inclusive indo para abertura de capital em Bolsa, empresas brasileiras de tecnologia já indo pra Bolsa, seja na Nasdaq, seja na NYSE, ou na B3, localmente. Toda a rota de investimentos e de desenvolvimento de recursos humanos, seja capital empreendedor ou capital técnico para empresas de tecnologia, está disponível em Santa Catarina, talvez o principal epicentro em que isso tudo esteja acontecendo com prioridade.

Pelo Estado: Qual é o cenário de startups em Santa Catarina?

Santa Catarina tem se desenvolvido cada vez mais de forma paralela como a Califórnia se desenvolveu economicamente na trajetória dos Estados Unidos desde os anos 50, 70, até os dias de hoje. É um ambiente no qual há muita gente de fora sendo acolhida e vindo empreender e trabalhar com skills de alto valor agregado dentro do estado. Há uma desconcentração do ponto de vista de cidades, várias cidades são protagonistas economicamente e com diferentes cadeias produtivas de foco e tecnologia permeando a maioria delas com grande epicentro que é Florianópolis, que possui uma densidade tecnológica, ou seja, um volume de startups por habitante, está chegando a patamares próximos a Israel, ao Vale do Silício, aos grandes polos globais. Há uma cultura do empreendedorismo muito enraizada,  nos últimos 10, 15 anos, principalmente nessa nova leva de profissionais que se formou, os jovens e profissionais começaram a ter os grandes primeiros resultados, como empresas de resultados digitais, como a Newee, anteriormente a Caord já no começo do ecossistema, a Decora, por exemplo, companhias que naturalmente foram criando aquela jornada desde o empreendedorismo até o auge de uma startup, com desinvestimento ou abertura de capital em Bolsa, e isso tem gerado exemplos para gerar essa rota positiva, esse ciclo virtuoso que é empreendedores começando negócios, vendendo negócios, investindo em novos negócios, investindo em novos empreendedores e esse ciclo cada vez mais gerando valor. Então Santa Catarina está extremamente bem posicionada.

Pelo Estado: Como está o cenário macroeconômico para investimento em papeis de tech?

Há um momento bastante atípico que é o momento de desvalorização global das empresas de tecnologias em Bolsa, pelo contexto de inflexão de juros e o contexto bélico, na Ucrânia, mas isso na verdade soa muito mais como uma oportunidade de novos investidores em Bolsa, que começam a olhar ativos de tecnologia com preços melhores para jornadas de valorização de três a cinco anos com altíssimo potencial de rentabilidade. Se for pensar, esse efeito de redução de valution das empresas de tecnologia na bolsa, não está acontecendo no mercado fechado, quando a gente fala de empresas que ainda não estão listadas no mercado acionário, quando se olha as operações de venture capital, as operações de private equity em tecnologia, essas operações tem cada vez mais tido avaliações maiores, então cada vez mais o mercado está mais interessado em investir, analisar e precificar melhor as ações que tem tecnologia como ponto principal de seus negócios.

Pelo Estado: Quais segmentos de mercado são mais atraentes para startups?

A fortaleza de Santa Catarina está nessa diversificação, mas claro que sempre existem setores produtivos mais fortes, Santa Catarina tem uma indústria muito forte, principalmente na região de Joinville, tem cadeias fortes nas áreas automotiva, têxtil, turismo, por exemplo, ao longo do litoral, há setores produtivos muito evidenciados, há cadeias produtivas na área agropecuária, por exemplo, no interior do estado, muito robustas, mas do ponto de vista de tecnologia, o que mais impressiona é, número 1, o foco muito forte em B2B, em soluções de software, desenvolvimentos para áreas comerciais entre negócios, a cadeia B2B, SaaS B2B muito forte, o que é muito saudável, porque tem recorrência de faturamento, tem uma saúde financeira muito interessante no seu modelo de negócio, e o que é interessante é que como o digital e o desenvolvimento de software permite que seja transversal, há várias soluções que têm nascido em Santa Catarina e que realmente atacam vários mercados, então a diversificação é muito forte e é sim um diferencial, uma fortaleza daqui da região.

Pelo Estado: Quais os critérios para definir bons investidores ou bons investimentos em SC?

Os melhores investidores são os que agregam valor para além do dinheiro, o que chamamos de Smart Money, então são investidores que agregam conhecimento, canais de comunicação, canais para trabalhos comerciais, para escala comercial dos negócios, para desenvolvimento, para acesso a talentos, governança, então Smart Money é fundamental quando falamos de tecnologia. E sobre os melhores critérios para as investidas, depende muito do estágio do negócio, mas, a gente na Catarina Capital, gosta de olhar três tipos de momentos típicos de empresas de tecnologia. Empresas que estão começando a despontar comercialmente, começam a ter os primeiros resultados mais evidentes de tração comercial, empresas que têm disrupções muito claras de tecnologia, que precisam de investimento para transpor alguma barreira, seja de facility, de infraestrutura de produção, ou seja uma barreira regulatória de prazo para registro de um produto biotecnológico, por exemplo, mas disrupções tecnológicas muito fortes e claras. E, por último, gostamos de co-investidores estratégicos, empresas que tenham caminhos de crescimento claros, equipes empreendedores muito fortes, quando falamos de tecnologia o primeiro fator a ser analisado são as pessoas envolvidas no negócio, a capacidade empreendedora, complementariedade de skills entre os empreendedores e, diante de um bom caminho, entender quais são os co-investidores e que tipo de valores eles vão trazer ao negócio junto conosco.

Pelo Estado: O que se espera das startups que oferecem inovações para as corporações?

Para as corporações, cada vez mais o relacionamento com as startups tem sido fundamental para uma estratégia de inovação, principalmente estratégia de inovação aberta. As corporações não conseguem testar rapidamente, prototipar, ganhar conhecimento de uma maneira muito veloz em muitas oportunidades de desenvolvimento ao mesmo tempo. Geralmente para uma corporação maior é muito dispendioso ter que testar ou arriscar o seu posicionamento de negócio em várias diretrizes tecnológicas que ainda não estão tão sólidas, que ainda são muito mais tendência do que realidade. Então, o trabalho com startups, faz com que a inovação aberta, o desenvolvimento de negócios para além da corporação, possa ser feito de uma maneira mais eficiente, do ponto de vista de recursos financeiros, de uma maneira mais inteligente, do ponto de vista de eficiência desses testes, e blindando a corporação de eventuais riscos reputacionais e de comunicação que mexer com inovação naturalmente traz. Então é uma forma muito mais segura e lucrativa de se trabalhar com inovação dentro da corporação, trabalhar com prestadores de serviço que consigam trazer acesso a várias startups ao mesmo tempo.

Pelo Estado: Em que pontos podemos melhorar nosso ambiente de negócios para que mais startups atinjam estágios de desenvolvimento avançados?

O ambiente de negócios de Santa Catarina é muito forte hoje, uma das grandes referências do país. O trabalho que tanto a Acate como a Fundação CERTI fizeram no estado foi muito transformador. A gente vê desde a década de 70, 80, iniciativas que agora estão colhendo frutos muito positivos, seja no volume de parques tecnológicos, ambientes de inovação, incubadoras, laboratórios-fábrica, uma série de iniciativas que estão permeando o estado, que estão cada vez mais crescendo e que só endossam como tecnologia e inovação podem ser feitas de uma forma empreendedora.

O que pode ser ponto de otimização é a melhor comunicação de Santa Catarina como um ecossistema global. Hoje a gente ainda tem uma cultura muito regional de comunicação do nosso ecossistema. A turma que está em Santa Catarina, as pessoas que estão aqui sabem da força do ecossistema. É lógico que alguns polos, como Florianópolis, têm ganhado uma conquista de repercussão de nível nacional, mas essa internacionalização da comunicação, essa busca por negócios mais internacionais, é um dos grandes drivers do nosso ambiente de negócios nos próximos anos, se transformar em um ecossistema cada vez mais voltado para o mundo e não apenas para o Brasil.

Pelo Estado: Os empreendedores de SC estão preparados para as negociações com essa gama crescente de investidores, muitos de grande porte, no mercado brasileiro de startups?

Sempre há pontos de otimização para o nível de preparo dos empreendedores e até demanda por iniciativas educacionais que venham a promover ainda mais o conhecimento sobre o ambiente empreendedor, habilidades, melhorias de gestão e marketing, comunicação, atividades comerciais, desenvolvimento e programação, desenvolvimento de produto, atividades financeiras. É lógico que sempre se exige uma otimização do compartilhamento de conhecimento de boas práticas para se empreender em tecnologia, então esse âmbito educacional é algo que a gente tende a desenvolver cada vez mais para melhorar ainda mais o nível de preparo dos nossos empreendedores, mas o ecossistema já está muito fortalecido, até porque foi concebido por muita gente de várias regiões do país, de São Paulo, Rio de Janeiro, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, que estavam desenvolvendo negócios em diferentes regiões e que vieram empreender em conjunto, ou seja, essa pluralidade de trajetórias só faz com que os RHs das empresas catarinenses sejam muito fortalecidos.

Pelo Estado: Quais os setores de destaque para fusões e aquisições no ecossistema de startups aqui e no Brasil? O que esperar desse mercado para 2022?

Estamos com um mercado extremamente aquecido, em Santa Catarina as operações são múltiplas, tem acontecido o tempo todo, sejam novos investidores, novos investimentos, de empresas maiores ou menores, partidas para IPOs, como o exemplo da Intelbras, um IPO em Bolsa com excelente resultado. A gente está com um mercado desenfreado, é muita operação acontecendo ao mesmo tempo, e Santa Catarina já se transformou sim em uma referência quando falamos de tecnologia para essas operações, buscando empresas que estão ainda em estágio de crescimento, de pequeno e médio porte, mas que já podem ser alvos de grande porte para que empresas maiores consolidem os seus portfólios de produto e que possam atacar diferentes mercados ou acelerar seu próprio crescimento, ou a ida para o mercado aberto, como a Intelbras recentemente fez. A tendência para 2022 é continuar essa curva de crescimento, independentemente do contexto de crise, até na esteira global. Em tecnologia o Brasil ainda está colhendo os frutos de 20 anos de trabalho de venture capital e cada vez mais tendo um mercado muito ativo.

Pelo Estado: Florianópolis é conhecida como o Vale do Silício brasileiro, como você avalia esse título da nossa Capital?

É um prazer confirmar isso, Florianópolis é a Ilha do Silício, tem se despontado por densidade de startup por habitante, nível de pessoas de fora do ecossistema vindo para cá para empreender ou trabalhar em soluções de startups de tecnologia, corporações envoltas ou embedadas dentro do ambiente empreendedor trabalhando junto com as startups, instituições que estão cada vez mais fortalecendo nosso ambiente empreendedor, e é a figura da Acate, da Fundação Certi, da FIESC, do SEBRAE-SC, talvez como principais promovedores de todo esse ambiente. E acho que mais do que simplesmente se comunicar com o Vale do Silício brasileiro, que Florianópolis tem e que outros ecossistemas ainda  vão, como eu brinco, comer um pouquinho de capim para alcançar, é ter realmente resultados reais de suas startups, então você tem operações muito grandes, empreendedores com operações vendidas lá fora, isso tem só crescido ano a ano, as transações recentes de resultados digitais, como Newee, a abertura de capital recente de Intelbras, só fortalece esse posicionamento e a liderança de Santa Catarina como estado empreendedor ou a Califórnia Brasileira, em linhas gerais, e como epicentro de encontro de negócios, de eventos, de pluralidade de RH. Então Florianópolis se transformou realmente no Vale do Silício do nosso Brasil.