Benefícios fiscais: um cabo de guerra de três pontas
09/07/2019

 

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“Nós vamos votar no dia 17. É um compromisso que assumimos.” A afirmativa é do deputado Marcos Vieira (PSDB), presidente da Comissão de Finanças e Tributação da Assembleia Legislativa, logo depois do encerramento de mais uma longa reunião com o secretário de Estado da Fazenda, Paulo Eli, na noite de segunda-feira (8), para explicações sobre o projeto de lei (PL) 174, que pretende organizar a concessão de benefícios fiscais. O assunto virou uma espécie de cabo de guerra de três pontas. Em uma, o Estado, que precisa, por lei aprovada no Legislativo, reduzir o percentual das concessões sobre a receita dos atuais 25% para 16% em quatro anos. Isso representa uma redução de R$ 6 bilhões para R$ 4 bilhões.

Além disso, a Secretaria da Fazenda de Santa Catarina e de todos os demais estados têm que cumprir prazos impostos pelo Conselho Nacional de Política Fazendária, o Confaz, que age para conter a guerra fiscal entre as unidades da Federação. Pelo Confaz, 31 de julho é o prazo final para a entrega de todas as regras tributárias pelos estados. Ontem durante a reunião na Assembleia, foi falado que já há a possibilidade de adiamento desse prazo, possibilidade sem confirmação.

 

Fuga de empresas

Na segunda ponta está o setor produtivo que, para piorar a situação já complexa, tem divergências internas. O que é bom para a indústria, não necessariamente é bom para o comércio. O que é bom para o comércio, não necessariamente é bom para o produtor rural. O que é bom para quem importa, não necessariamente é bom para quem exporta. E assim por diante. Uma fonte ligada à Federação das Indústrias (Fiesc) afirma que, com a entrada em vigor do PL 174, haverá prejuízo para Santa Catarina, fuga de empresas para outros estados, fechamento de muitas outras e, em consequência, desemprego e queda de arrecadação tributária.

Na terceira e última ponta está o Poder Legislativo, que procura equacionar as dissensões tratando, ao mesmo tempo, de atender as necessidades do Executivo, que precisa de dinheiro para investimentos, e de setores empresariais que, em grupos, promovem verdadeiras romarias pelos gabinetes dos deputados. Mas aqui também há um racha. Os deputados da base do governo, principalmente os do PSL, apoiam as mudanças propostas pela Fazenda estadual. Outros não chegam a formar uma oposição ao governo e mantêm o discurso do “melhor para Santa Catarina”, mas alertam para o que entendem como riscos embutidos no PL 174.

 

Equiparação competitiva

Hobus não discorda da revisão, mas chama a atenção para riscos do PL 174 | Foto: Fábio Queiroz / Agência AL

 

Um dos deputados mais envolvidos nos debates é Milton Hobus (PSD), membro da Comissão de Finanças. Ele rejeita o termo “renúncia fiscal” e garante que o Legislativo busca a “equiparação competitiva” com outros estados por meio de incentivos ou benefícios fiscais. No começo da tarde de ontem, horas antes da reunião extraordinária da Comissão de Finanças e Tributação, Hobus recebeu nossa reportagem em seu gabinete. Ele apresentou alguns exemplos de risco, como o da fábrica da Ambev, instalada em Lages em 1994 e responsável por 30% da arrecadação do município. “Como eles têm outra fábrica em Paranaguá, e no Paraná os incentivos são melhores do que em Santa Catarina se de fato os atuais forem tirados, a produção daqui vai ser reduzida enquanto a de lá será ampliada. Essa é a competitividade que não podemos perder e é para isso que existem os incentivos fiscais: para dar condições competitivas”, defende.

 

Divulgação

 

Hobus afirma que outros estados têm “um olhar muito grande sobre Santa Catarina” e atuam diuturnamente para levar empresas daqui para seus territórios. Caso de empresas que estão sendo assediadas para se transferirem para Goiás. Aliás, de acordo com a fonte da Fiesc, não só as empresas maiores, mas toda a cadeia produtiva fornecedora dessas empresas.

Além da mudança de estado, há ainda casos de indústrias daqui que direcionaram investimentos para outro estado, em busca de uma menor carga tributária. A Malhas Kyly, de Pomerode, se enquadra nesta situação. Preparada para implantar uma nova fiação no município, com um investimento de 40 milhões de dólares, a direção da empresa optou por São Paulo. “Por conta dessa insegurança jurídico-tributária de Santa Catarina. Nós não queremos dar benefício para quem não precisa, mas é preciso muito cuidado quando estamos diante do risco de perder empregos”, apontou Hobus.

 

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O deputado considera “equivocado e inoportuno” o argumento do governo de que os recursos públicos que deixaram de ser arrecadados com a concessão de benefícios poderiam ser usados em Saúde, Educação e Segurança, por exemplo. E explica que o problema do Estado não é receita, que vem crescendo mesmo com os incentivos. Mas, sim, em seu modelo de gestão, que precisa ser mais enxuta. “Não se pode repassar a ineficiência de gestão para os impostos. Não existe espaço hoje para aumentar impostos no Brasil!”. Soma-se aí o fato de que o governo federal, vencida a reforma da Previdência, tratará da questão tributária com o intuito de simplificar e de reduzir carga, para tornar o país mais competitivo. “Por isso digo que é inoportuno. Lá em cima estão com a tese de redução de carga tributária e nós estamos na contramão. Se o Estado mantiver essa sandice, quem vai sofrer é o povo. Porque o grande vira a chave, desliga as máquinas e vai embora. E o pequeno, quebra.”

Outro alerta de Hobus é quanto a infraestrutura portuária, que vem recebendo massivos investimentos públicos e privados. De acordo com seus cálculos, 80% da movimentação atual de cargas dos portos catarinenses desaparecerão. “A nossa esperança é o diálogo. Caso contrário, o governo terá que assumir o ônus de quebrar Santa Catarina. O estado vai virar uma sucata caso a lei seja aprovada como está.”

 

(Por Andréa Leonora/CNR-SC)