“O dinheiro é finito. A Medicina é cara”

Entrevista com Marcelo Neves Linhares, presidente do Conselho Regional de Medicina

 

Para o presidente do Conselho Regional de Medicina de Santa Catarina (CRM-SC), Marcelo Neves Linhares Marcelo Neves Linhares, defende parceria com a Justiça para controlar os gastos com a judicialização da saúde. Todos os anos, municípios, estados e União gastam cerca de R$ 7 bilhões para cumprir determinações judiciais na área da saúde.

São ações movidas pelos cidadãos para ter garantido pela Justiça o acesso a medicamentos, procedimentos e serviços.

Entre 2010 e 2016, o número de ações deste tipo cresceu 1.010% no país, o que provocou preocupação em gestores públicos. Além de a judicialização da saúde consumir recursos em grande volume, não há qualquer previsão orçamentária. E aponta:

“O Estado precisa impor um limite. Não dá para todo mundo ter acesso a tudo”.

Em entrevista exclusiva para a Rede Catarinense de Notícias e Coluna Pelo Estado, ele falou sobre judicialização da saúde, sobre financiamento do setor, sobrecarga à saúde pública e Programa Mais Médicos.

 

 

ADI-SC/Adjori-SC – A judicialização da saúde vem de longa data e só faz crescer. Para o CRM-SC, qual é a causa principal do problema?
Marcelo Neves Linhares – A gente entende que a judicialização não é um problema só de Santa Catarina, mas do Brasil inteiro. E tem os dois lados: de pessoas que têm buscado tratamentos que não são bem estabelecidos, mas que na vontade de tratar o seu ente querido buscam tratamento que não são padronizados ainda; e, por outro lado, as pessoas também buscam tratamentos que deveriam ou que constam na tabela do SUS e no rol da ANS, mas que não estão sendo contemplados pelo poder público. Como resolver isso é o motivo do nosso debate. Nesse evento das três entidades médicas do Estado, foram chamados desembargadores, procuradores do Ministério Público, e médicos para discutir como isso pode ser melhorado. Já existem alguns fóruns realizados no Estado pelo poder Judiciário em conjunto com o poder público que tentam melhorar essa relação. O que a gente precisa entender é isso: às vezes um lado tem razão, às vezes o outro lado tem razão. De qualquer maneira tem dois grandes problemas na judicialização da saúde. Um deles é que está colocado, eventualmente, alguém que não está no seu momento de ser tratado e outro problema é o custo. Quando você compra via judicial geralmente se paga um valor muito mais alto do que quando se compra com programação, quantidade maior, com gestão. Isso é uma que realmente preocupa bastante.

ADI/Adjori – Quais as saídas?
Linhares – Boa pergunta. Eu acho que uma delas, por um lado, é aumentar a padronização de medicamentos que sejam bem definidos como um tratamento adequado para as doenças. É aquela situação que eu falei no início: a pessoa quando busca o tratamento que é efetivo mas não está padronizado. Quando se aumenta a padronização na rede pública, com uma boa gestão barateia o custo. Um exemplo disso que a gente teve recentemente é a inclusão pelo Ministério da Saúde do tratamento para a Atrofia da Medula Espinhal (AME). Isso vai reduzir o custo ao tratamento que é caríssimo porque vai passar a estar na tabela do SUS e o poder público terá a prerrogativa de comprar por um preço mais baixo, seja por uma quantidade maior, ou por uma importação direta. Essa é uma das soluções. O outro lado, e aí é um pouco mais complexo, é o poder Judiciário entender que nem tudo que é demandado pela sociedade muitas vezes tem como ser assumido do ponto de vista financeiro pelo Estado. O dinheiro é finito. A medicina é cara. Então nós temos que estabelecer prioridades. Não estou dizendo que não é justa essa vontade de tratar o seu familiar, mas muitas vezes o Estado tem que estabelecer prioridades: ‘olha, a partir daqui não tem como arcarmos mais com esse custo porque senão fica inviável’.

ADI/Adjori – Existe um problema claro de financiamento da saúde…

Linhares – O financiamento tem a ver com isso também. Como que a gente vai aumentar o gasto com saúde no nosso país? Hoje, 42% do gasto com saúde é do poder público, e 58% é privado, com os pacientes comprando exames, comprando consultas, usando seu próprio dinheiro. Esse nosso gasto, do governo, com a saúde, fica em torno de US$ 1 por dia por habitante. Isso dá US$ 330 a US$ 350 por ano, o que é muito pouco. E realmente não é possível a gente querer dar uma saúde conforme consta na Constituição com um valor tão baixo desses. Nós gastamos 10% do que gasta a Inglaterra e o Canadá e ainda assim são países que têm problemas de financiamento, de acesso à saúde. É bem complexo o debate. Não existe uma solução mágica, mas a gente espera que consiga dar um passo, dar um rumo para frente.

 

ADI/Adjori – Como está a conversa com o poder Judiciário? Eles estão sensibilizados ao problema?
Linhares – Houve um avanço muito grande nos últimos anos. O Judiciário está muito mais próximo das entidades, buscando ensinamentos. Não é mais como antigamente, que bastava alguém solicitar e um médico indicar algum procedimento para o juiz conceder. O Judiciário sabe que o dinheiro é finito. Não tem como o Estado bancar, por exemplo, um tratamento experimental no Japão para todo mundo que quiser. Tem que de alguma maneira dar aquilo é cientificamente bem estabelecido e restabelecer um direito, mas elencando prioridades e sabendo que não tem dinheiro para tudo. Não tem como o Estado bancar, por exemplo, um tratamento experimental no Japão para todo mundo que quiser. Ou existe uma outra opção de tratamento ou o Estado tem que colocar um limite. Não dá para todo mundo ter acesso a tudo. O principal que eu creio é que o tratamento para aquelas situações onde haja uma comprovação científica de que aquele tratamento vai trazer uma melhora para o paciente, esse o Estado tem que ou padronizar ou facilitar. Mas, saindo disso, precisa ser bem debatido quando que o Estado vai prover ou não.

 

ADI/Adjori – Além do setor público, também há a questão do setor privado. Qual a proporção do problema analisando os dois cenários?

Linhares – Eu não tenho esses dados, mas a mesma dificuldade que existe no setor público existe no setor privado. Outra situação que ocorre é que muitas vezes as pessoas utilizam o setor privado, mas na hora em que vão buscar um tratamento de um custo maior, vão onerar o setor público. É um direito? Talvez sim. Mas talvez fosse o momento de aquele plano que ela adquiriu cobrisse os custos uma vez que constam no rol da ANS, que é quem determina o que o plano de saúde deve pagar ou não. Existem muitos planos em que o objetivo é ter um número grande de usuários, mas ele acaba colocando para o SUS aqueles tratamentos mais dispendiosos, por exemplo, uma quimioterapia ou um transplante. Ele acaba ficando somente com o ‘filé mignon’. Na prática, é isso que muitos planos fazem e muitos têm crescido bastante fazendo esse tipo de manobra. Não são um, nem dois. Na hora em que a coisa aperta, divide o custo com toda a sociedade. O usuário pode ir contra o plano, mas às vezes é mais fácil ir contra o Estado que é mais simples a judicialização.

 

ADI/Adjori – Neste ano houve uma briga na Justiça do governo do Estado para barrar o aumento do gasto obrigatório com saúde. O Conselho acompanhou o caso? Qual o posicionamento?

Linhares – Eu entendo que a saúde é uma coisa cara. Claro que nós como uma entidade que preza pela boa prática médica gostaríamos muito que esse valor fosse aumentado para 15% como era previsto em lei. Ficamos preocupados, mas existe um compromisso verbal do governador de que seja gasto um valor maior do que 12%. Torcemos para que isso ocorra porque, como eu disse, o nosso país é um dos que menos gasta com saúde. O aumento da verba de financiamento, associado a uma melhor prática de gestão seria realmente aquilo que nós gostaríamos que acontecesse com a saúde catarinense.

 

ADI/Adjori – Um dos argumentos para o projeto era de que a inflação da saúde é maior do que a inflação geral…

Linhares – Eu vi uma frase uma vez que eu gosto muito: A saúde é a única área em que a tecnologia aumenta custo, não diminui o custo. O empresário quando compra um robô, quando compra uma máquina, pode ter um aumento temporário, mas ele sabe que a longo prazo vai diminuir o custo. A saúde não. Na saúde, sempre se aumenta o custo. O agricultor quando compra um colheitadeira de milhões sabe que vai gastar menos no longo prazo. Uma indústria, quando compra um robô, vai gastar menos no longo prazo. Na saúde isso não ocorre. E esse é um debate mundial, não só nosso aqui. A questão é, será que todas as pessoas tem que ter o último lançamento? A situação mais moderna? Talvez não seja necessário para todo mundo o último ultrassom, o último exame. Talvez a gente precisasse ter uma consciência maior e ter aqueles exames de alto custo para aqueles pacientes que realmente necessitam.

ADI/Adjori – O governo federal enviou sete profissionais para Santa Catarina via Programa Mais Médicos. O déficit é de 151 médicos. Qual a opinião do Conselho sobre os novos critérios do Programa?
Linhares – A nossa opinião, e dos conselhos em geral e do próprio conselho federal, é a favor do Mais Médicos. Criou-se uma ideia de que as entidades médicas fossem contrárias ao Mais Médicos. Não somos. Nós somos a favor e é quase uma exigência nossa que esses médicos façam o Revalida porque a gente não pode misturar as duas coisas. Quando a gente fala em Mais Médicos no geral, se coloca tudo na mesma situação. Mais Médicos é um programa do governo federal onde deveria colocar o médico em lugares carentes, que necessitam e o governo federal patrocina o médico, paga o salário do médico. Nós somos totalmente a favor. Agora, desde de que essa pessoa seja médica, em primeiro lugar. Por que aquela pessoa do município carente tem que ser atendida por alguém que a gente não sabe qual qualificação que ela tem? Que talvez nem seja médica. Eu não queria isso para mim, nem quero isso para os outros. Esse é o primeiro ponto. Quanto ao programa como um todo, nós somos a favor, porque realmente para algumas prefeituras muito pequenas, o salário de um ou dois médicos acaba pesando no orçamento da prefeitura. O segundo fato é que esse programa tem que ter critérios rígidos. No governo federal passado, tinham sete médicos em Florianópolis, 11 em Joinville, que claramente são municípios que não precisam. Nós estamos brigando para que seja feito o Revalida e que ele vá para a mão talvez do Conselho Federal de Medicina, mas a importância de que essas pessoas sejam realmente médicas e tenham um padrão mínimo de qualidade para oferecer para a população, isso nós consideramos fundamental. Quanto ao restante do programa, nós consideramos que ele é válido. Ele é importante. A interiorização do médico é o grande problema da medicina no Brasil hoje, embora isso ocorra no mundo inteiro. E isso não se resolve só com a força do Estado. Das faculdades de Medicina que abriram no interior com o objetivo de fixar o médico, só trouxe mais gente para a capital. O sujeito se forma lá e depois vem para cá fazer sua residência e não quer mais sair daqui, não quer mais sair de Joinville, não quer mais sair de Blumenau. E não fica na cidade em que supostamente ele deveria estar atuando. Em resumo, nós somos a favor do programa, que deve suprir a carência de cidades com baixo IDH, onde realmente esteja faltando médicos, mas entendemos que esses médicos devem ser realmente médicos.

ADI/Adjori – Neste sentido, o Revalida é suficiente?
Linhares – A princípio, hoje, o Revalida é suficiente. Pode ser que a sociedade, o Conselho e o Ministério da Educação e o Ministério da Saúde cheguem a algum outro programa para regularizar esses médicos no Brasil. Mas o que a gente tem que ter é que esses médicos sigam o mínimo de padrão necessário para atender esses recintos.

 

Por Murici Balbinot
Edição: Andréa Leonora | Foto: Divulgação CRM-SC

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